2º ANDAR
A comida é saqueada. A fome é saciada, mas
Augusto, torturado, que devia ser mudo, falou.
A mão mecânica, de uma escavadeira, faz um
buraco enorme no asfalto, deixando horrorizados os moradores do bueiro que só
tem uma alternativa:Correr.
Um enxame de fiscais, munidos de bumerangues
eletrônicos, infesta os corredores subterrâneos.
A primeira a ser decapitada é
a Velha Chapeuzinho que já não tem tanto fôlego para fugir do lobo mau.
- Spock! Que mal cheiro horrível é este? -
Pergunta sufocada Asuelc, enquanto corre puxando as duas crianças.
- Água estagnada.
- O que?
- Água estagnada, pobre, os malditos abriram uma
antiga comporta para nos afogar em lodo.
- Por que você está com a última página? Não
seria mais seguro escondê-la?
- É instinto. Minha mãe pediu que eu a
protegesse “com minha própria vida”.
As crianças corriam desesperadamente, tropeçando
e caindo.
Eles não queriam deixar pistas, mas era impossível. Tinham que largar
pelo caminho, os vestidões, brancas, cetros e bengalas, botas e pernas
mecânicas, corcundas e barbas, todas as características de seus personagens que
agora atrapalhavam a fuga.
Estavam todos agora, entre o lodo e os fiscais.
Preferiam o lodo. Se atolaram nele. Submersos na fedentina pegajosa, Spock
desesperado, perde a página.
- A página! Procurem a página!
Uma mão melada se levanta do lodo lá adiante
segurando a última página da bíblia como uma bandeira. A mulher das cavernas
pega a página, mas a mão melada, numa última expressão de agonia é levada pelo
lodo que inunda a galeria.
- Quem era?
- Dimitri. Que sonhava ser batizado num rio de
águas cristalinas…
- Ele foi. A forma de morrer não importa.
Importa como ele viveu.
Um bando de múmia fétidas, era o que restava dos
“Limpos de consciência”.
Pedras na parede começam a se mover. Todos olham
arregalados, já sem forças para correr. As paredes pretas de bolinhas amarelas,
estão melecadas até o teto.
Um caixote azul afundando no lodo, trás a todos a
lembrança do casamento de Spock. O capuz de Chapeuzinho, o lenço de Anastácia,
uma cabeça com tranças, tudo boia por um instante, depois afunda se despedindo.
As pedras na parede caem. As crianças se abraçam apavoradas e fecham os olhos.
Raul dá um grito!
- É professor!
- Por aqui, rápido!
Entrando pela passagem aberta por Lavicret, o
grupo dizimado, respira aliviado…
- Já vasculhamos tudo – Diz um dos fiscais do
Sistema.
- Sim devem estar todos mortos, afogados…
- Este “devem” não me satisfaz – diz outro –
quero ver cadáveres…
- Mas nós não sabemos quantos viviam aqui…
- É, eu queria que o menino Augusto me desse a
quantia, mas o infeliz não aguentou a tortura.
- Como foi que vocês o fizeram falar?
- Melecamos os genitais dele com queijo
derretido e marmelada e o soltamos dentro de um cubículo, cheio de ratazanas
famintas. Eles me fizeram de bobo certa noite no lago.
- Nós já viemos a este corredor?
- Sei lá. Isto aqui é um labirinto. Acho que já.
- Não, não viemos. Vejam aquilo.
- Uma porta vermelha! E nós não passamos por
aqui.
Arremessando fortes pontapés eles arrombam a
porta. Num canto da sala de tamanho médio estão imóveis, os sujos, limpos de
consciência com expressão de pavor. Todos estão em círculo, tentando proteger o
seu autor ao centro. E inútil. Os bumerangues eletrônicos são lançados e
cabeças rolam a granel. Aquela cabeça com uma lágrima de lantejoula e do
palhaço Alegria.
Só resta o autor, de pé no fundo, olhando para
os fiscais com um ar de superioridade que os irrita. E lançado último
bumerangue. Atrás da cabeça do autor, há um painel escondido, coberto com um
pano. A decapitar o professor, eles acertam o painel, provocando uma grande
explosão.
O mundo exterior é sacudido. Enquanto máquinas
de refrigerantes, despejam urina no copo dos fregueses, vasos sanitários jorram
com champanhe francesa. O elevador da Central do Sistema, emperrou no quarto
andar, enquanto todo o edifício à sua volta subia e descia descontrolado.
Tudo isso aconteceu, até que o Sistema de programação
progressiva, progrediu, programou, analisou e não achando lógica em tudo isto,
explodiu… Poc!
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