quinta-feira, 2 de maio de 2013

2o. andar



2º ANDAR

A comida é saqueada. A fome é saciada, mas Augusto, torturado, que devia ser mudo, falou.

A mão mecânica, de uma escavadeira, faz um buraco enorme no asfalto, deixando horrorizados os moradores do bueiro que só tem uma alternativa:Correr. 

Um enxame de fiscais, munidos de bumerangues eletrônicos, infesta os corredores subterrâneos. 

A primeira a ser decapitada é a Velha Chapeuzinho que já não tem tanto fôlego para fugir do lobo mau.

- Spock! Que mal cheiro horrível é este? - Pergunta sufocada Asuelc, enquanto corre puxando as duas crianças.

- Água estagnada.
- O que?
- Água estagnada, pobre, os malditos abriram uma antiga comporta para nos afogar em lodo.
- Por que você está com a última página? Não seria mais seguro escondê-la?
- É instinto. Minha mãe pediu que eu a protegesse “com minha própria vida”.

As crianças corriam desesperadamente, tropeçando e caindo. 

Eles não queriam deixar pistas, mas era impossível. Tinham que largar pelo caminho, os vestidões, brancas, cetros e bengalas, botas e pernas mecânicas, corcundas e barbas, todas as características de seus personagens que agora atrapalhavam a fuga.

Estavam todos agora, entre o lodo e os fiscais. Preferiam o lodo. Se atolaram nele. Submersos na fedentina pegajosa, Spock desesperado, perde a página.

- A página! Procurem a página!

Uma mão melada se levanta do lodo lá adiante segurando a última página da bíblia como uma bandeira. A mulher das cavernas pega a página, mas a mão melada, numa última expressão de agonia é levada pelo lodo que inunda a galeria.

- Quem era?
- Dimitri. Que sonhava ser batizado num rio de águas cristalinas…
- Ele foi. A forma de morrer não importa. Importa como ele viveu.

Um bando de múmia fétidas, era o que restava dos “Limpos de consciência”.
Pedras na parede começam a se mover. Todos olham arregalados, já sem forças para correr. As paredes pretas de bolinhas amarelas, estão melecadas até o teto.

Um caixote azul afundando no lodo, trás a todos a lembrança do casamento de Spock. O capuz de Chapeuzinho, o lenço de Anastácia, uma cabeça com tranças, tudo boia por um instante, depois afunda se despedindo. As pedras na parede caem. As crianças se abraçam apavoradas e fecham os olhos. Raul dá um grito!

- É professor!
- Por aqui, rápido!

Entrando pela passagem aberta por Lavicret, o grupo dizimado, respira aliviado…

- Já vasculhamos tudo – Diz um dos fiscais do Sistema.
- Sim devem estar todos mortos, afogados…
- Este “devem” não me satisfaz – diz outro – quero ver cadáveres…
- Mas nós não sabemos quantos viviam aqui…
- É, eu queria que o menino Augusto me desse a quantia, mas o infeliz não aguentou a tortura.
- Como foi que vocês o fizeram falar?
- Melecamos os genitais dele com queijo derretido e marmelada e o soltamos dentro de um cubículo, cheio de ratazanas famintas. Eles me fizeram de bobo certa noite no lago.
- Nós já viemos a este corredor?
- Sei lá. Isto aqui é um labirinto. Acho que já.
- Não, não viemos. Vejam aquilo.
- Uma porta vermelha! E nós não passamos por aqui.

Arremessando fortes pontapés eles arrombam a porta. Num canto da sala de tamanho médio estão imóveis, os sujos, limpos de consciência com expressão de pavor. Todos estão em círculo, tentando proteger o seu autor ao centro. E inútil. Os bumerangues eletrônicos são lançados e cabeças rolam a granel. Aquela cabeça com uma lágrima de lantejoula e do palhaço Alegria.

Só resta o autor, de pé no fundo, olhando para os fiscais com um ar de superioridade que os irrita. E lançado último bumerangue. Atrás da cabeça do autor, há um painel escondido, coberto com um pano. A decapitar o professor, eles acertam o painel, provocando uma grande explosão.

O mundo exterior é sacudido. Enquanto máquinas de refrigerantes, despejam urina no copo dos fregueses, vasos sanitários jorram com champanhe francesa. O elevador da Central do Sistema, emperrou no quarto andar, enquanto todo o edifício à sua volta subia e descia descontrolado.

Tudo isso aconteceu, até que o Sistema de programação progressiva, progrediu, programou, analisou e não achando lógica em tudo isto, explodiu… Poc!

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